Pinguinho de leite
Um pinguinho de leite,
Caiu no chão,
Tão branquinho no piso claro,
Nem deu para perceber,
Estava adoçado,
Logo vieram as formigas,
Depois a poeira da rua grudou,
E assim que secou,
Fez uma pequena machinha,
A Marlí já tinha encerrado o expediente,
Estava quase chegando em casa,
Quando Dona Bruna ligou afoita,
“Você estragou o meu piso!
O que foi que você fez?
Pode voltar, você vai ter que arrumar!”
E aquelas duas horas de viagem no horário de pico,
Foram um sufoco,
Marlí estava tão nervosa,
Que lhe faltava o ar,
Só queria uma aguinha pra tomar,
Se acalmar,
Mas o desespero era tamanho,
Que nem conseguia sentar.
Suas pernas tremiam,
Pois tudo o que ela fazia,
Era com muito zelo e amor,
Jamais teria escondido algo,
Ou passado despercebido.
Chegando na recepção Seu. Lino abriu o portão com a
mão,
Estranhando a volta da amiga,
Perguntou o que aconteceu,
E ela começou a chorar,
Nenhuma palavra saía de sua boca,
Ele pediu para ela entrar na guarita,
Serviu-lhe um pouco de água,
E aquela mágoa de si mesma,
As contas estavam atrasadas,
As coisas no mercado tão caras,
As crianças sem ir para a escola ao menos pra fazer uma
refeição,
E deixa-la sossegada,
As roupinhas dos pequenos já não estavam servindo mais,
A calça era de pular brejo,
E camiseta mostrando o umbigo,
“O que tem de errado comigo?”
Sem dizer mais nada ela subiu,
Pelas escadas,
Para ir tomando um ar e suavizando as lágrimas da face,
Ao chegar no quinto andar,
Tratou logo de as pernas firmar,
Bateu a porta,
E foi atendida,
“Dona Bruna, o que foi que houve?”
Com a arrogância e prepotência de como se falasse com as
paredes,
“Me diga você!
Você sabe quanto custou esse piso?
Já chamei o aplicador,
Para orçar para você,
Vou descontar do seu salário,
Uns três meses talvez.”
E direcionou com os olhos ao local do pinguinho de leite no
chão,
Saiu andando,
E Marlí mal acreditou,
Que um pontinho tão pequeno no chão,
Seria capaz de transformar uma mulher em um dragão,
Mas sentou ao lado do pinguinho e começou a chorar,
Entristecida pois aquilo iria lhe custar alto preço,
Pensou...
“Por que não coloca dos azulejos que tem no Deposito do
Sandro?
Ao menos se as empregadas tiverem que ser responsáveis pela
manutenção,
Não iria lhe custar meses de trabalho árduo”
“ME AJUDA MEU DEUS!”
Chorando e desolada,
Aguardava ali,
Até que um lágrima caiu sobre a sujeira,
E espalhou a poeira,
Limpou o pinguinho,
Passando o dedo,
Saiu tudinho,
Marli,
Depois de 4 horas do término de seu expediente,
Não sabia o que dizer para a dondoca que a fizera tanto
sofrer,
Olhou para o alto e AGRADECEU A DEUS,
PELA LUZ QUE DEU,
Saiu pela mesma porta que entrou,
Com a cabeça erguida,
Nunca mais voltou,
Todos os dias agradece a libertação,
Pois se não fosse aquele dia de choro,
Ela nunca iria entender o quanto aquele dinheiro e o medo de
ver além,
Estava prendendo-a,
A vida toda,
Com sua rescisão,
Comprou uns produtos e foi trabalhar para as meninas do
bairro,
Depois comprou um carrinho,
Abriu uma firma,
E hoje fazendo tudo com o mesmo carinho,
É líder de uma equipe de muitas Marlís,
Que também foram humilhadas e escravizadas,
Nos valores de alguém,
Que as vias com desdém,
Numa extensão da escravidão,
De subordinação,
Exploração,
Não só do trabalho a mão,
Mas também de sua alma,
Sem respeito,
Muito menos empatia,
Hoje Marlí ajuda as outras a sorrir,
Sendo quem são,
Valorizando o que fazem,
E saboreando o pão que ganham,
Com dignidade.



