RESENHA: SABER PARA QUÊ?
Por Carina Zduniak
HARARI, Yuval Noah. Parte um. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Trad. Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2015. p.7- 82.
Um livro que deveria estar nas estantes de todas as bibliotecas públicas, certamente a mera exposição já aguçaria a curiosidade e leitura do público, com um design que se assemelha a um dossiê que agrupa documentos históricos, e o pingo do “i” da palavra Sapiens uma digital carimbada do dedo de alguém, remetendo à ideia de que estaremos expostos, na leitura do livro, a um rastreamento genético de nossa espécie, os Sapiens. Apesar de muitos Homo sapiens sapiens atualmente não possuírem o hábito de ler, por inúmeros motivos e consequências de movimentos histórico-sociais excludentes. Esta é a espécie que possui grande interesse e anseio que falem sobre si, a melhor especificar, sobre sua evolução. É este o convite do Harari, quando apresenta o livro com um título “Sapiens - Uma breve história da humanidade" e adiciona ao desing gráfico da capa, um fundo com sombras do que seriam nossos ancestrais em uma linha evolutiva de seus aspectos físicos. E para fechar com chave de ouro o selo de best-seller internacional em vermelho indicando que a venda do exemplar superou a marca dos 400 mil unidades vendidas.
Nem as melhores coleções de livros de história e antropologia do ensino fundamental e médio teriam sido capazes de agrupar tanto conhecimento técnico em um único capítulo, especificamente, a respeito dos acontecimentos que englobaram a revolução cognitiva, traduzindo a uma linguagem acessível, a parte um do exemplar além de expor a temática de forma abrangente, também é muito convidativa, pois, durante a leitura é notável que o autor utilizou palavras, termos e figuras que nos instigam a uma imersão em nossa linha do tempo, sem nos darmos conta de que estamos lendo um livro somos envolvidos em uma conversa informal do público leitor com o especialista.
Com uma escrita objetiva, valendo-se de palavras claras e títulos ousados, Harari começa o capítulo sintetizando a origem do universo, da matéria, energia, do planeta Terra e dos organismos que o compõe, relacionando cada um deles a ciência que o estuda, sendo elas, nesta ordem, física, química, biologia, e por fim, mas tão importante quanto, esclarece que “o desenvolvimento subsequente dessas culturas humanas é denominado história”.
Salienta também as três revoluções que marcaram o curso da história, a Revolução Cognitiva, a Revolução Agrícola e a Revolução Científica. O título “Um animal insignificante”, já dava uma prévia sobre o que iríamos nos deparar, surpresos ou não, o autor evidencia em seus relatos que não tinha nada de especial na capacidade cognitiva dos seres humanos, aspectos estes que nos diferenciassem dos outros animais até os últimos 2 milhões de anos, tornando o impacto de suas ações no meio ambiente como não sendo maior do que gorilas, águas vivas e vagalumes.
Na perspectiva da evolução do Homo sapiens, o escritor também apresenta a título de exemplificação e diferenças biológicas encontradas, outros gêneros de animais, como gorilas, leões e cavalos. Ocorre que, conforme Harari, há pouco se foi revelado que o sapiens não é a única espécie do gênero Homo, mas sim que nossos ancestrais compartilharam o planeta Terra com outros “irmãos e primos”, apesar de sermos, os Homo sapiens sapiens (homem sábio), os únicos existentes nos últimos 10 anos.
É importante destacar que o título “Esqueleto no armário” nos enriquece com as informações trazidas a respeito de nossa origem e gênero, em que
é apresentado o local, estimativa do ano e nomes dados às primeiras epécies de seres humanos. O berço de nossa ancestralidade, conforme o texto é a África Oriental, a cerca de 2,5 milhões de anos, sendo estes chamados de Austropitheais, que significa macaco do sul.
É muito interessante e leve a leitura, pois não há citações ou referências de onde foram extraídas aquelas informações com tantas certezas e afirmações, distanciando dos modelos de escritas técnicas, restando mais uma vez evidenciado que o texto é direcionado a um público geral, pertencente à comunidade não acadêmica, apesar, é claro, de que ao final há a indicação da bibliografia consultada por Harari para a pesquisa prévia realizada.
Figuras deixam o texto mais atraente, apesar de se tratarem da reconstrução especulativa das espécies Homo rudolfensis (África Oriental), Homo erectus (Ásia Oriental) e Homo neanderthalensis (Europa e Ásia Ocidental), que podemos assemelhar com nossa imagem atual, mas também àlgumas espécies de macacos e gorilas. A existência e extinção das outras espécies de humanos assusta grande parte das pessoas, como também as expõem a grandes discussões. Além das espécies já citadas, o livro também fala dos Homo soloensis, da Ilha de Java, na Indonésia, os Homo florescesciences, da Ilha de Flores, homens que para sobrevivência, na redução do consumo, com o tempo passaram a pesar no máximo 25 kg por terem se tornado anões.
Muitas descobertas de objetos e fósseis colaboraram para que os estudos a respeito da existência de outras espécies de humanos fossem realizados e se tornassem objeto de pesquisa para o livro do Harari. Em suma, segundo o livro, como foram as primeiras mudanças na biologia dos sapiens?
No título “ O custo de pensar”, o autor inicia a apresentação das características biológicas que mais sofreram alterações no processo de evolução cognitiva dos Homo sapiens, a começar pelo tamanho dos cérebros que atualmente representam o dobro do tamanho dos cérebros do sapiens de 2,5 milhões de anos atrás, que passou ao longo desse processo consumir mas energia, a qual era utilizada nos músculos do corpo, de tal forma que, as cabeças ficaram mais pesadas, a coluna foi se tornando ereta para suportar o peso da cabeça, além de andarem sobre duas pernas.
A obra discorre de outra característica biológica que trouxe muitas mudanças no contexto do desenvolvimento dos grupos de sapiens, ao passo que as mulheres foram modificando a postura, o período de gravidez ficava mais curto e o nascimento de bebês prematuros mais recorrentes de tal modo, que os bebês ficavam cada vez mais dependentes das mamães sapiens. Os resultados das pesquisas de Harari apontam que os cuidados com os bebês eram compartilhados pelo grupo, pois as mamães não conseguiam se alimentar bem e alimentar o bebê recém-nascido. E por falar em alimentação, a obra explica que a posição do gênero Homo na cadeia alimentar era intermediária e com a rápida evolução do Homo sapiens, o gênero subiu para o topo em um “salto espetacular” que o ecossistema não teve tempo para equilibrar todo o restante da cadeia, que permanece até hoje, diferentemente da ascensão do leão citada no texto, onde à medida que ia evoluindo e se tornando mais feroz, as gazelas se tornavam mais velozes.
Um dos passos que mais contribuíram para que os Homos alcançassem a cadeia alimentar foi a domesticação do fogo, usado como fonte de luz, calor, arma letal contra predadores e fazer alimentos, apesar de o uso irregular causar queimadas, os nossos ancestrais ainda se aproveitavam da devastação causada para coletar animais e outros alimentos, assim aponta Harari. Em se tratando de biologia humana, a ingestão de alimentos transformados pelo cozimento propiciaram o encurtamento do processo digestivo e consequentemente a redução do tamanho dos intestinos das espécies do gênero Homo, que ocasionou o acúmulo de energia no corpo humano pela economia de tempo e esforço no processo de digestão dos alimentos, sendo esta aproveitada pelo cérebro dos neandertais e do sapiens, além de outras alterações estéticas, com uma redução do tamanho dos dentes e mandíbulas também são encontradas no capítulo. Mas afinal o que aconteceu com as outras espécies de seres humanos?
Duas teorias foram identificadas por Harari, a primeira foi a “teoria da miscigenação”, que defende a ideia de que o ápice os neandertais se encontraram no Oriente médio e na Europa e se atraíram uns pelos outros, sendo que evidências genéticas aduzem que os neandertais possuíam aspectos físicos mais brutos em relação ao Sapiens mistura de espécies semelhantes teria acontecido entre o Sapiens e os Homo erectus na Ásia.
E a segunda, é a “teoria da substituição”, que conforme o texto, defende que as espécies ao invés de se agruparem, guerrearam, até a dizimação de todas as outras espécies de Homo pelos sapiens ponto sendo esta última teoria a ideia que prevaleceu até 2010 quando um grupo de geneticistas encontraram de 1% a 4% de DNA neandertal nos sapiens sapiens modernos do Oriente Médio e Europa, com base nos materiais genéticos encontrados de neandertais ao longo da história ponto já nos modernos aborígenes australianos encontraram 6% de DNA denisovano.
Harari certamente acredita em uma teoria mista, a considerar que no decorrer do capítulo apresenta seus motivos que defende a possibilidade de ter havido guerra e confronta mento entre os grupos além de acreditar também que alguns possam ter miscigenado as espécies de Homo sem alteração na reprodução genética como acontece em outras espécies de animais. Achados relatados pelo escritor são capazes de demonstrar a presença de crenças religiosas, organização, estratificação social e comércio em diversas partes do mundo, como também as surpreendentes evidências de navegação que possibilitaram as travessias a mar aberto até Austrália. Eis que surge neste momento os primeiros indícios da origem da comunicação por nossos ancestrais, pois, para que se pudessem acreditar em algo que não se vê teriam de desenvolver a comunicação vocal e gestual, além de convencer os demais de suas convicções.
Dentre as teorias apresentadas no capítulo, estão, aquela que acredita que nossas primeiras frases conectavam palavras e sons que possuíam significados diferentes, similar a comunicação entre macacos verdes atualmente e, uma outra teoria apresentada, que por sinal é mais aceitável, a qual defende a evolução da nossa linguagem como uma espécie de fofoca, que elenca a cooperação social como essencial para a sobrevivência, além do compartilhamento de informações como honestidade ou não de um indivíduo entre os membros de um grupo, que em uma perspectiva da evolução passaram a transmitir ainda mais informações pessoais uns sobre os outros, chegando no que temos hoje nas mídias, o chamado quarto poder, que é capaz de mudar e dar interpretações a fatos novos e conhecidos, exercendo certa influência nas mentes criativas e receptivas dos telespectadores, ouvintes e internautas.
Após a leitura do trecho, é possível identificar que Hahari acredita que os Homo sapiens puderam, logo no início da revolução cognitiva, transmitir informações sobre coisas que não existem no mundo material, originando as lendas, mitos, regras e organização estrutural dos grupos, permitindo também que a imaginação pudesse ser compartilhada a cada vez mais por grupos maiores, chegando a formar enormes cidades governadas por impérios em todo o mundo, assim como atualmente, as quais deram origem às leis, institutos jurídicos, diversas religiões, teorias, além da existência de personalidades imateriais, tais como deuses e sociedades empresariais, evoluindo de xamãs e curandeiros para advogados e legisladores, sendo que em ambos os casos estes são capazes de criar, transformar e dar vida para coisas intangíveis que são capazes de superar o tempo de vida biológica humana, compartilhadas pela longevidade da história da humanidade, como uma estrutural organizacional de Estado. O contrário também passou a acontecer, cita o autor que no ano de 1789, em pouco tempo na França, o mito do direito divino foi substituído pelo mito da soberania do povo, deixando evidenciada a capacidade do Sapiens de revisar seu comportamento e rapidamente o transformar em um mais adequado para a época, sepultando da noite para o dia uma ideia criada.
Assim, nas palavras do autor, “ A Revolução Cognitiva é, portanto, o ponto em que a história declarou Independência da biologia”, que não significa que ficamos isentos das leis biológicas, complementa que “ainda somos animais e nossas capacidades físicas, emocionais e cognitivas continuam sendo moldadas por nosso DNA”. Harari afirma que, é importante observar a partir daqui os acontecimentos evolutivos do ponto de vista da história, que a aconteceram de forma mais dinâmica, sem ignorar os aspectos biológicos, como por exemplo, explicações para os motivos que nos levam a sentir imensa vontade de ingerir alimentos calóricos, ainda especuladas por algumas teorias, no entanto, o escritor explica que a “teoria do gene guloso” é amplamente aceita, resumidamente defende que possuíamos poucos alimentos calóricos, sendo estes praticamente frutas maduras que eram consumidas exageradamente quando os Sapiens se deparavam com uma árvore repleta de frutas maduras. De todo modo, apesar de muitos estudos, possuímos poucas certezas a respeito da vida de nossos ancestrais coletores-caçadores, mas fato é que, o escritor nos convence de que atualmente tentamos distrair nossas mentes para não ficarmos deprimidos diante de tantas facilidades trazidas pela tecnologia, as quais descartaram
muito da capacidade cognitiva que nossos ancestrais desenvolveram para sobreviver dia após dia.
Mais adiante, no texto “A sociedade afluente original”, nos deparamos com informações de como era a organização dos bandos e os relacionamentos com outros bandos, sejam eles sociais, políticos, comerciais ou mesmo nas expedições para a obtenção de conhecimento e habilidades sensoriais, que tornaram os caçadores-coletores médios os povos mais conhecedores e habilidosos da história, além de que, evidências no texto apontam que os caçadores-coletores eram menos afetados por doenças infecciosas, por estes motivos há alguns indícios observados pelo autor de que o cérebro dos Sapiens diminuíram desde então.
Muitos achados ainda levantam diversas dúvidas dos estudiosos, como as crenças, arte, a existência de fenômenos paranormais e a existência de conflitos por nossos antepassados, trazidos por Harari no livro. O final do capítulo traz diversos elementos que nos conduz a uma profunda aos feitos e efeitos destes pelos Sapiens nos últimos 45 mil anos, como a extinção de muitas espécies de plantas e animais, a devastação de muitos ecossistemas, além do mistério que ronda a extinção das outras espécies do gênero Homo e as ações degradantes das grandes indústrias nos últimos séculos. É claro que muitos ainda preferem se apoiar em fenômenos naturais que transformaram o ecossistema terrestre, no entanto, nenhum destes nos últimos anos foram tão cruéis quantos as evidentes e comprovadas ações dos Homo sapiens sapiens.
Harari nos convence ainda mais o quanto fomos egoístas e inconsequentes ao relatar como se deram os movimentos de povoamento das Américas, onde só a América do Norte perdeu 34 de seus 47 gêneros de grandes mamíferos, no entanto o escritor objetiva a conscientização e proteção do que de natural ainda nos resta, antes que sobrem apenas uma gigante onda de seres humanos e seus animais domesticáveis para criar ilusões futuristas capazes de distrair mentes em uma superprodução de energia não aproveitada pelo corpo inerte e conduzidas pelas tendências tecnológicas num processo regressivo da capacidade cognitiva do Homo sapiens sapiens, o Homem sábio. Afinal, SABER PARA QUÊ?


