CRÔNICA: O EXCLUÍDO LEITOR SUBURBANO
Por Carina
Zduniak
Aproximadamente,
em 1.668, foi a primeira vez que a vi, uma A CASA INACESSÍVEL, para a época
muito bem-feita, moderna e cheia detalhes característicos daquele ano. Foram
nas imagens da manchete principal do jornal London Gazette que a vi, me
apaixonei, até pensei me aproximar, no entanto, de que ia adiantar? Eu só
poderia olhar pelo lado de fora, ninguém me permitiria adentrar, experiências
de um empregado, sem um linguajar adequado, camisa sem colarinho e sapatos
furados, dois dentes da frente arrancados e um bolsão de lado, com toda certeza
inapropriado, naquela vida não iria dar.
Eu
esperei a próxima encarnação, e não demorou muito não, 1.765, na França
iluminada eu renasci, um pouco melhor, mas só o suficiente para tomar coragem e
chegar mais perto, passar a mão na porta, observar a fechadura, as janelas
ainda trancadas, era tudo tão escuro lá dentro. Coloquei os meus óculos para
enxergar melhor lá dentro, hum… muita coisa linda e valiosa, todavia, quem viva
ali queria ficar só, nem as lamparinas, ainda do século passado, eram acesas.
Parecia frio ali, não bati, e fui embora.
Dessa
vez eu demorei, quase dois séculos, exatamente ano de 1.954, então, por este
motivo resolvi passar o meu período
crítico me preparando, com a ajuda de minha mãe, me embelezei todo, estava
realmente a altura para ali adentrar, passei o meu melhor perfume, eu era jovem
e cheio de energia, mas ainda assim eu estava muito longe dela. Realmente a
saga estava desafiadora. Viajei do Japão até Norwich a Inglaterra para esse
encontro apaixonante. Eu estava confiante, preparado para aquilo tudo que eu ia
experienciar e quem sabe até ali para sempre morar. Com apenas uma mala pequena
bati a porta, eis que de lá de dentro soou uma doce e estonteante voz “Qual é a
senha? Diga para que eu possa abrir!”, ela exclamou, minha alegria desmoronou,
eu fiquei sem saber o que fazer. Então eu disse “Senha? Mas que senha?”, ela
sorriu suavemente e o silencio pairou. Eu olhei pela janela e só pude vê-la de
costas e uma sombra naquela sala escura, tanta roupa e chapéu que eu não
poderia jamais imaginar como ela seria. Enfim, voltei para casa, mais uma vida
desperdiçada.
Ah
meu caro leitor, eu sou forte, aguento mais um pouco, certamente eu estava
decidido adentrar naquela encantadora e já obsoleta, para os desentendidos e
iludidos, casa encantadora. Fui muito esperto dessa vez, escolhi uma mãezinha
escritora, investigadora, que amava estudar, ler, conhecer, experimentar e
antes mesmo que eu pudesse nascer ela já havia encontrado a senha para mim,
graças a um tal movimento libertador chamado feminismo ela pôde me ajudar, pois
poderia fazer tudo sozinha. Por este motivo, resolveu no sul do Brasil morar e
próximo das matas me criar, me letrar e ensinar tudo o que ela sabia, inclusive
a danada da senha. Meu período crítico
foi mais um replicar do Eco que
ouvia dentro de sua barriga, do que ela mesma dizia e repetia diversas vezes.
Apesar
de que ela já sabia que em algum momento iríamos embarcar nessa aventura
juntos, estava amedrontada, afinal, coragem não é ausência do medo, mas sim
reconhecê-lo, agradece-lo e honrá-lo, indo além daquilo que nos apresenta como
ponto final. E lá fomos nós, da cidade de Chapecó dessa vez, rumo a Norwich,
Inglaterra. Fomos lindos como somos todos os dias, educados, gentis, amáveis e
admiradores. Batemos na porta, uma, duas, três e quatro vezes e não ouvi aquela
voz, esperamos mais um pouco, até que uma voz de senhora idosa disse bem alto e
lentamente “ A senha? Você trouxe a senha dessa vez?” .
Ficamos
animadíssimos e dissemos “SIM!”, apesar de surpresos com o fato de que ela
lembrou de mim. Pois bem, ela pediu que escrevesse em um papel e o passasse por
baixo da porta, pois seus ouvidos já não eram mais os mesmos. Em letrinhas miúdas
colocou nas observações, “É importante que escreva em inglês para eu conseguir
ler!”. Foi aí que escrevi, em letras garrafais, com caneta preta “NEITHER MANDIOC NOR CASSAVA, PEEL,
CUT, COOK, FRY AND SERVE, I'M VERY HUNGRY, WE TALK WITH A FULL STOMACH!” (NEM MANDIOCA NEM
AIPIM, DESCASQUE, CORTE, COZINHE, FRITE E NOS SIRVA, EU ESTOU COM MUITA FOME,
NÓS FALAREMOS COM O ESTÔMAGO CHEIO!).
Caro leitor, acreditem se
quiserem, mas eu, um leitor suburbano só pude adentrar e permanecer nos textos
literários e teorias linguistas, quando heróis modernos do século XX como Eco, Saussure,
Chompsky, Possenti e Labov codificaram o acesso dos Meus nestes templos da
linguagem falada e escrita até então desconhecidos por nós, exceto pelo lado de
fora, com as portas fechadas.


