À LUZ DA FRANÇA: a vitória da Revolução Francesa no campo da educação dos operadores do governo otomano, frente as tradições islâmicas no Tanzimat de Muhammad Ali
Fonte da imagem: Mundo – Como Muhammad Ali do Egito derrotou e quase desmembrou o Império Otomano | Área Militar (areamilitarof.com)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 2
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................................................................ 3
40 anos de desenvolvimento do Egito .................................................................... 3
ILUMINADOS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA
O Império Otomano na primeira carteira da sala de aulas ..................................... 4
Essa relação precisa de tradução para sair fortalecida ........................................... 6
O legado da ocidentalização educacional de Muhammad Ali no Tanzimat .......... 7
E os impactos? ..................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 12
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ......................................................................13
INTRODUÇÃO
Dentre uma série de acontecimentos mundiais que impactaram as estratégias implementadas por Selim III (1.789 a 1.807), nos depararemos com os resquícios da guerra entre Grã-Bretanha e a França de Napoleão que envolveram o Egito, o qual, posteriormente se tornou vencedor em seu território. Contudo, após a retirada de Napoleão, a herança da guerra no Egito foi o acesso à diversas tecnologias e estratégias da Revolução Francesa, por meio dos engenheiros e químicos franceses que permaneceram em território egípcio, além, é claro, da ciência inequívoca do interesse francês nas commodities que eram exportadas a Grã-Bretanha. Ao final da guerra, Muhammad Ali, estava no comando do contingente albanês de evacuação dos franceses, que por seus méritos foi reconhecido por Istambul e nomeado governador. Representado por um período de grandes transformações políticas e econômicas no Império Otomano, em 1.805, o Tanzimat de Ali aconteceu no Egito, entre os séculos XVIII e XIX. Ali, também reconheceu na França um potencial jamais degustado antes pelas tradições otomanas de educação e formação para todos os mais renomados membros do governo, pertencentes a elite, quando assumissem seus cargos, ou mesmo para aqueles escolhidos e não detentores de tais conhecimentos. Assim, tanto no governo de Muhammad Ali, quanto em todo o Tanzimat, a organização militar, a ciência, tecnologia, comercio e língua oriundos da França e tudo que se correlacionam, tal como textos jurídicos e laicização das vestimentas, seriam de grande privilégio e exaltação.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
No início do século XVIII, quando o Império Otomano recebeu Muhammad Ali para governa-lo, final do período do sultanismo de Selim III, as principais características eram a descentralização e absolutismo do poder, instaladas por fortes pressões internas: descentralização do poder estatal otomano de controlar seus territórios, redução gradativa do absolutismo dos sultões, aumento do poder e riqueza de seus funcionários, os janízaros passaram a representar uma ameaça para o Estado, a burocracia se tornou mais evidente e marcada pelo nepotismo, os ulemás serão considerados autoridades independentes, perdas territoriais permanentes se tornaram comuns na segunda metade do século e os privilégios das lideranças locais pela descentralização do poder, inclusive na Anatólia, onde os senhores locais ganharam graus crescentes de autonomia em Istambul, estabelecendo principados. Estes últimos, não almejavam derrubar o Estado autônomo, apenas distanciar-se da sua autoridade, cobrar e controlar receitas geradas em seu território e transmitir sua autonomia a seus herdeiros.
40 anos de desenvolvimento do Egito, interno e imperial
Ao assumir o governo do Egito, em 1.805, Muhammad Ali, passou a adotar uma série de medidas, no que vamos chamar de inspiração francesa, que compactuaram com seus dois principais objetivos, a independência do Egito e a hereditariedade do poder. Durante os quarenta anos de gestão, Ali remodelou as forças armadas de acordo com as linhas europeias, reorganizou a administração, instalou a burocracia centralizada, mudou os padrões de propriedade da terra e produção agrícola, introduziu a indústria, conquistou um império que na década de 1.830 incluía o norte do Sudão, a costa ocidental da Arábia Saudita, Grande parte da Síria e partes do sudoeste da Anatólia, estabeleceu a subordinação do Egito a um Estado incipiente, com novas regras na administração, fiscal e pessoal, além de, destituir os mamelucos em 1.811, em decorrência da forte resistência e oposição as mudanças militares.
É de suma importância para esse estudo pontuar que, todas as mudanças de Ali fortaleceram o Egito e o colocou em contato com diplomatas e comerciantes da Europa Ocidental. Em evidência do sucesso de seus objetivos, o envio de várias missões de treino para Europa, alcançou experiência e conhecimento de línguas europeias, impactando diretamente no futuro do Egito, que vão muito além daquele conhecimento obtido conforme as tradições religiosas, militares e artesanais antigas.
Com o fito de viabilizar a expansão dessa dialógica, fundou instituições de ensino destinadas a formar especialistas nos serviços de apoio exigidos pelos militares, durante vinte anos, tais quais, escola de medicina e medicina veterinária, engenharia e química, que, com o tempo passaram a exceder os interesses e objetivos militares e servirem a administração de Ali como um todo.
Assim como os demais, Ali governará com fortes imposições de interesses e imediatismo de execução e sem receio das mudanças, no entanto, os meios de incursão de estratégias, tecnologia e educação francesas, como também a forma de se relacionar com a Europa vai conduzir todo o período de seu plano de governo, apesar de seu monopólio doméstico irritar profundamente os europeus.
ILUMINADOS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA
O Império Otomano na primeira carteira da sala de aulas
Em uma tentativa de produzir um quadro de egípcios com conhecimento das ciências militares europeias, enviou várias missões de treino à Europa, principalmente a França. Os membros destes grupos de estudantes, ao regressarem ao Egito com experiência da Europa e conhecimento das suas línguas, tiveram um impacto na direção futura do seu país que se estendeu muito além das origens estritamente militares da sua formação. Além de proporcionar a formação específica de oficiais combatentes, Muhammad Ali fundou instituições de ensino destinadas a formar especialistas nos serviços de apoio exigidos pelos militares. Durante um período de vinte anos, começando no início da década de 1820, escolas de medicina, medicina veterinária, Muhammad Ali liderou o Egito passou por um intenso período de transformação e estabeleceu a dinastia que governou até 1952 (Cleveland e Buton, 2009).
No decorrer do tempo, estes também teriam influência para além da sua intenção militar inicial. Um programa tão intensivo de ensino superior orientado para assuntos ocidentais trouxe consigo um esforço simultâneo para produzir livros didáticos e manuais de instrução adequados.
Clevaland e Buton (2009) vão dizer que, em 1835, Muhammad Ali fundou a Escola de Línguas com o propósito expresso de treinar tradutores e preparar livros didáticos em árabe para as instituições educacionais estatais. Essa escola exerceu influência importante na direção da vida cultural e educacional do Egito até ao seu encerramento na década de 1850. Um desenvolvimento relacionado foi a fundação de uma gráfica governamental que publicou os materiais traduzidos, imprimiu decretos governamentais para distribuição e lançou o primeiro jornal em língua árabe, al-Waqai al-Misriyyah (Diário Oficial), em 1828 e para manter seus funcionários informados sobre seus programas, o sultão fundou um diário oficial, Takvim-i Vekayi (Calendário de Eventos), em 1831, o primeiro jornal a ser publicado na língua turco-otomana, tornou-se leitura obrigatória para todos os funcionários públicos.
A aceitação da imprensa escrita, inspirada pelos franceses, representou uma ruptura com a cautelosa tradição cultural do mundo otomano e foi da maior importância na promoção da difusão das ideias ocidentais junto da elite educada da sociedade egípcia.
Para além das salas de aulas, conforme explica Cleveland e Buton, outras influências europeias penetraram nas forças armadas através da infra-estrutura educacional estabelecida por Mahmud II, sultão otomano de 1.808 a 1.839, em 1827, uma escola de medicina para militares foi fundada em Istambul, e em 1834 o sultão abriu o Imperial War College, onde o ensino era em francês.
Muhammad Ali, a luz de Cleveland e Buton (2009), passa a inspirar o sultão, que começou a enviar grupos de estudantes para a Europa para estudos avançados, garantindo assim um maior compromisso com os modelos europeus entre os membros do novo corpo de oficiais. No mesmo ano em que os janízaros foram destruídos, Mahmud II também aboliu as unidades sipahi e formou uma cavalaria assalariada profissional. Um desenvolvimento relacionado foi a eliminação do sistema timar em 1831. As reformas de Mahmud II também não se limitaram aos militares.
Na ótica dos planos de Ali, o sultão, almejando a expansão da eficiência administrativa do Estado e restabelecer a autoridade real na condução dos negócios, empreendeu uma reorganização da burocracia. Ele aboliu antigos cargos, introduziu novas linhas de responsabilidade num esforço para criar ministérios de estilo europeu e aumentou os salários numa tentativa de acabar com o suborno. Assim como os uniformes franceses simbolizavam o exército pós-janízaro, a substituição do turbante e do manto pelo fez e pela sobrecasaca entre a burocracia representou os esforços de Mahmud II para forçar a europeização dos civis. Em 1838, o sultão fundou duas instituições para a formação de altos funcionários, ambas ofereciam uma mistura de disciplinas convencionais e seculares e, significativamente, incluíam instrução em francês.
Essa relação necessita de tradução para sair fortalecida
O plano de Muhammad Ali era brilhante para Mahmud II, no entanto, mesmo que tenha havido a produção de livros didáticos e manuais de livros instrução adequados ao Ensino Superior, envio de funcionários para aprender a língua francesa in loco e todas as políticas internas de capacitação dos militares e áreas correltas, a capacidade do império para negociar tratados e alianças foi severamente prejudicada pela escassez de funcionários com conhecimento de uma língua europeia.
Já na década de 1.830, Mahmud II agiu para preencher esta lacuna, restabelecendo as embaixadas otomanas na Europa e abrindo um escritório de tradução para lidar com a correspondência estatal e treinar funcionários otomanos em línguas europeias. Tanto as embaixadas como o escritório de tradução provaram ser importantes campos de formação para a próxima geração de funcionários públicos. Sob Mahmud II, a autonomia dos derebeys foi restringida, os janízaros destruídos e a burocracia reorganizada e tornada dependente da autoridade direta do sultão. Uma questão mais delicada era como limitar o poder dos líderes ulemás que tinham sido fundamentais na derrubada de Selim III.
A herança de Muhammad Ali, foi a criação de um ambiente em que a nova elite – apropriadamente denominada “os conhecedores franceses” – foi favorecida (Cleveland e Buton, 2009). À medida que o sultão se comprometeu com as reformas europeias e à medida que a pressão econômica e militar europeia sobre o império aumentava, aqueles que conheciam costumes europeus e línguas europeias foram nomeados para os cargos mais altos do comando militar e da burocracia civil.
Os oponentes da reforma foram eliminados ou, como no caso dos ulemás, gradualmente contornados. Após a morte de Mahmud II, os membros desta nova elite, formados no escritório de tradução, nas embaixadas europeias e nas academias militares, continuaram as suas reformas e inauguraram uma nova fase na transformação do sistema otomano.
O legado da ocidentalização educacional de Muhammad Ali no Tanzimat
O trato e desenvolvimento dos métodos europeus de administração, educação e organização política provocou uma expansão contínua do papel do Estado e foi acompanhada por uma necessidade premente de administradores qualificados e especialistas técnicos. Os europeus preencheram muitos destes cargos, mas as novas escolas patrocinadas pelo Estado produziram um número crescente de licenciados otomanos e egípcios que rapidamente ascenderam aos escalões superiores da hierarquia estatal. Embora os fundamentos islâmicos da sociedade não tenham sido abertamente questionados pela nova geração de funcionários formados no Ocidente, as suas políticas tenderam a reduzir o significado institucional do sistema religioso e a aumentar as oportunidades disponíveis para os indivíduos formados tal como eram.
O período de 1839 a 1876 é conhecido na história otomana como Tanzimat (literalmente, reorganização) e marca a fase mais intensa da atividade reformista otomana do século XIX. O associado de Ali Pasha nas últimas duas décadas do Tanzimat, Fuad Pasha (1815-1869), iniciou seus estudos superiores na escola médica militar fundada por Mahmud II e depois foi transferido para o escritório de tradução. Esta formação educacional abriu uma nomeação para a embaixada otomana em Londres que, por sua vez, levou à promoção de Fuad, em 1852, ao primeiro de cinco mandatos como ministro das Relações Exteriores. Fuad Pasha foi o mais europeizado dos três homens e era famoso nos círculos diplomáticos pela sua inteligência devastadora expressa em francês perfeito.
Assim, numa tentativa de tradução das palavras de Cleveland e Buton (2009), enquanto as políticas educativas de Mahmud II se concentravam na formação de oficiais e médicos para as forças armadas, os funcionários do Tanzimat estabeleceram instituições de ensino superior para civis. Os dois mais importantes deles foram a Escola da Função Pública (1859) e o Liceu Imperial Otomano de Galatasaray (1868). O impacto destas duas escolas, juntamente com a anterior escola de guerra, na formação da elite política e administrativa otomana dificilmente pode ser subestimado.
Aqueles graduados das três instituições desfrutaram de uma elevada taxa de sucesso na obtenção de empregos públicos e ocuparam posições de autoridade na Turquia e nos estados árabes até meados do século XX. Além da sua preocupação com o ensino superior, os reformadores do Tanzimat elaboraram propostas para um aprimorado sistema de escolas secundárias e em 1847 criaram um Ministério da Educação como um braço do Estado. Embora o desenvolvimento das escolas secundárias tenha sido lento, o próprio ato de as criar e de as colocar sob o controle de um ministério central constituiu uma expansão do papel do Estado numa área que anteriormente não era considerada parte da sua responsabilidade e marcou mais um passo em direção ao estabelecimento de um sistema educacional fora do controle dos ulemás.
Embora os notáveis árabes locais se opusessem geralmente ao Tanzimat, podiam ver que os cargos de autoridade administrativa no estado otomano em mudança eram atribuídos a jovens formados nas escolas públicas. A partir da década de 1870, muitas das principais famílias árabes adotaram a prática de matricular os filhos nas academias superiores de Istambul. Ao concluírem os estudos, esses jovens árabes obtiveram cargos na burocracia otomana e, assim, deram às suas famílias acesso ao governo. Na verdade, durante todo o Tanzimat, a elite urbana árabe conseguiu preservar os seus privilégios e tornar-se indispensável aos funcionários otomanos enviados de Istambul. A política dos notáveis sobreviveu às reformas centralizadoras.
Ismail, uale e posteriormente quediva do Egito e do Sudão de 1.863 a 1.879, encorajou o desenvolvimento de uma elite egípcia com educação europeia. Ele aumentou o orçamento para a educação em mais de dez vezes e iniciou um programa para expandir os sistemas de ensino primário e secundário e para fundar instituições técnicas e vocacionais especializadas.
O Dar alUlum, fundado em 1872 por insistência de Ali Mubarak, pretendia requalificar os formandos das escolas religiosas para se tornarem professores de árabe no novo sistema nacional primário e secundário. Como principal escola moderna de formação de professores do país, Dar al-Ulum tornou-se uma das maiores e mais bem-sucedidas das novas instituições de ensino superior.
A Escola de Línguas, reaberta em 1868, era muito mais elitista e de orientação europeia. Em 1886, a instituição evoluiu para a Escola de Direito do Cairo, oferecendo aos seus alunos uma educação jurídica baseada na França que os tornou um dos candidatos mais procurados para empregos públicos.
Ismail também reviveu a prática de enviar missões educacionais de estudantes para a Europa e iniciou o processo de transformação da educação feminina numa responsabilidade do Estado. Além de fazer estas reformas educacionais, Ismail fundou uma biblioteca nacional em 1871 e mais tarde estabeleceu uma série de sociedades científicas e museus. Embora Ismail encorajasse a formação de uma elite treinada no Ocidente, ele não fez nenhuma tentativa de alterar a relação entre a monarquia e o povo e não fecharam as escolas religiosas. Estas escolas, apesar do declínio do seu prestígio, continuaram a preservar a tradição erudita islâmica, a transmitir valores islâmicos e a proporcionar oportunidades educativas a um grande número de estudantes.
Conforme explicam Clevelad e Buton (2009), o problema surgiu quando os formandos das escolas islâmicas procuraram emprego em administrações que estavam comprometidas, para o bem ou para o mal, com políticas de ocidentalização.
Não importava quão extenso fosse o conhecimento destes estudantes sobre o Alcorão ou a sharia, eles não tinham as qualificações para competir com os estudantes formados na Europa ou em escolas de estilo europeu. Ao mesmo tempo, as oportunidades de emprego no setor de elite tradicional da sociedade diminuíam à medida que os novos tribunais, as novas escolas e os novos conceitos derivados do pensamento europeu reduziam o papel dos ulemás à esfera de atividade mais estreitamente religiosa.
A nova elite favorecida de conhecedores franceses, por menor que fosse, exerceu um domínio crescente na direção dos assuntos de Estado, enquanto os educados religiosamente descobriram que a sua formação outrora respeitada tinha aplicação limitada. A natureza dolorosa da mudança imposta é captada na observação de Fuad Pasha, o ministro otomano, a um diplomata europeu, dizendo que “O nosso Estado é o Estado mais forte. Pois vocês estão a tentar causar o seu colapso a partir do exterior, e nós, a partir de dentro, mas mesmo assim ele não entra em colapso.” (Cleveland e Buton, 2009).
Esse dualismo teve um efeito de divisão na sociedade como um todo. É claro que, sempre houve uma enorme distanciamento entre os funcionários instruídos e a população em geral. Mas à medida que os funcionários instruídos vinham cada vez mais de escolas ocidentalizadas, a disparidade aumentou. Um recruta analfabeto da Anatólia rural e seu comandante, que poderia ter sido treinado em Paris, habitavam dois universos diferentes. O mesmo aconteceu com um shaykh al-Azhar e um professor da Escola Médica do Cairo. A fenda entre a nova elite e os sectores tradicionais da sociedade também não foi superada pela transmissão de quaisquer benefícios imediatos a este último grupo.
E os impactos?
Em 1856, no final da Guerra da Crimeia, Ali e Fuad Pashas encorajaram a promulgação de um segundo decreto, o Hatt-i Hümayan, no qual os princípios de 1839 foram repetidos e as garantias da igualdade de todos os súditos foram tornadas mais explícitas. Assim, muçulmanos e não-muçulmanos deveriam ter obrigações iguais em termos de serviço militar e oportunidades iguais de emprego público e de admissão em escolas públicas.
A intenção dos dois decretos era garantir a lealdade dos súditos cristãos do império numa época de crescente agitação nacionalista nas províncias europeias. Aparentemente, durante o período de descentralização otomana no século XVIII e início do século XIX, os painços adquiriram um maior grau de autonomia do que possuíam anteriormente. Os decretos de 1839 e 1856 procuraram quebrar a autonomia religiosa e cultural dos painços e criar a noção de uma cidadania otomana comum, ou otomano, que em teoria substituiria a ordem religiosa da sociedade em que os muçulmanos eram dominantes. As promessas não foram totalmente implementadas, tanto devido à preferência cristã por novas afiliações nacionalistas como aos persistentes sentimentos muçulmanos de superioridade, mas a tentativa de substituir a afiliação religiosa pela identidade secular continuou com a proclamação de uma Lei da Nacionalidade em 1869.
O Tanzimat foi também um período de promulgação de novos códigos legais. Tendo o código civil francês como modelo, foram introduzidos novos códigos penais e comerciais, foi estabelecido um sistema de tribunais seculares chamado nizame para lidar com casos envolvendo muçulmanos e não-muçulmanos, e um novo código civil, o Mejelle, foi compilado. Por outro lado, a organização e disposição do Mejelle foram inspiradas nos códigos jurídicos europeus e a sua administração foi colocada sob a jurisdição de um recém-criado Ministério da Justiça.
A era Tanzimat não teve os confrontos dramáticos dos reinados de Selim III ou Mahmud II, e trouxe longas mudanças, por esta mesma razão, alguns membros da elite otomana questionaram a sabedoria das reformas e alertaram que o abandono de instituições islâmicas de longa data em favor da adoção precipitada de instituições europeias conduziria ao desastre para a ummah.
Outro fato da crescente interação entre o Império Otomano e a Europa foi um renascimento literário otomano que encontrou expressão não apenas em géneros estabelecidos como a poesia, mas também em novas formas, especialmente a imprensa periódica que floresceu sob propriedade privada nas últimas duas décadas do Tanzimat.
Entre os principais contribuintes para o novo jornalismo estava um grupo de intelectuais e burocratas conhecido como Jovens Otomanos. Não eram uma organização coerente, mas partilhavam certos valores que apresentavam nas suas revistas e jornais. Os Jovens Otomanos representam uma tentativa de reconciliar as novas instituições do Tanzimat com a tradição política otomana e islâmica. Eles estavam unidos na sua antipatia pelo absolutismo burocrático de Ali e Fuad Pashas e apelaram ao desenvolvimento de uma forma de governo mais democrática. Na sua opinião, os dois reformadores colocaram o império na pior posição possível, tinha sido privado dos seus valores políticos e sociais islâmicos essenciais, mas não se tinha tornado mais eficiente através da adopção forçada de instituições europeias.
Os Jovens Otomanos buscaram o melhor dos dois mundos, apelaram à revitalização do império através da incorporação de modelos europeus selecionados e, ao mesmo tempo, insistiram na manutenção das bases islâmicas do Estado e da sociedade.
No entanto, apesar de toda a sua insistência na necessidade de encontrar fontes de mudança dentro da tradição islâmica, o impacto mais pronunciado dos Jovens Otomanos resultou da sua elaboração da noção de patriotismo otomano, destacando Namik Kemal poeta e dramaturgo.
Embora Namik Kemal tivesse convicções firmes sobre a necessidade de respeitar os fundamentos islâmicos da sociedade otomana, a sua solução ideológica para o problema da desintegração territorial otomana foi de inspiração europeia. Estes sentimentos tornaram-se mais difundidos quando, após a morte de Ali Pasha em 1871, o Sultão Abdul Aziz reafirmou a autoridade real.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da dialógica estruturante francesa implementada no Império Otomano, particularmente, a partir do governo de Muhammad Ali no Egito, buscou demonstrar que, apesar de o Egito ter resultado vencedor na Guerra da França com a Grã-Bretanha no início do século XVIII, em seu território, nos demais anos, a ideia central da Revolução Francesa, será a principal professora de toda a administração dessa dinastia, que vai perdurar até aproximadamente 1.950 e, o Egito o estudante mais dedicado, inspirando todo o Império Otomano. O Tanzimat reestruturador vai garantir que tudo o que os egípcios puderem fazer para garantir a interculturalidade e situação de subordinação intelectual com França, farão. Não obstante, as diferenças socioeconômicas se tornarão ainda maiores, considerando que, os governados que pertenciam as classes mais baixas e a zona rural, além daqueles que tinham fortes relações religiosas, não terão acesso as tais instituições de ensino e, consequentemente, aos cargos de administradores no governo. Vimos que, até mesmo alguns grupos armados de opositores serão vencidos para que as estratégias militares, ensinadas na França e através das instituições francesas, pudessem ser aplicadas. Ainda assim, as relações com a França serão amplamente bem sucedidas do ponto de vista educacional.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CLEVELAND, William L.; BUTON, Martin. A History of the Modern Middle East. 4ª ed. Boulder, Colorado: Westview Press, 2009. Capítulos 4 e 5.



