ARTE, ARTIFÍCIO OU AMBOS? Breves considerações sobre o poema “O Uraguay” de Basílio da Gama e o filme “A Missão” de Robert Bolt e direção de Roland Joffé
RESUMO
Esse artigo se
restringirá em analisar a retórica na disputa de poder de dois grupos, nas mimesis e alegorias da narrativa poética
e prosaica de Basílio da Gama no poema “O Uraguay”, comparando-o com os mesmos
elementos no filme “A Missão” escrito por Robert Bolt e
dirigido por Roland Joffé, sem adentrar em questões históricas fatídicas que
ensejaram e ampliaram a Guerra Guaranítica (1.753 – 1.756). Enquanto Gama,
muito bem instruído pelos ideais do mecenato de Marquês de Pombal opta pela
retórica em desfavor dos monges, Bolt e Jofeé exploram de forma acentuada os
artifícios que vão defender os monges e afastar a razoabilidade do cumprimento
das decisões da coroa portuguesa por meio de seus emissários. Um duelo de duas
obras nacionalistas gigantes em retórica, crítica horaciana de análise da
psicologia coletiva do período e mimética.
PALAVRAS- CHAVE: O recontar – mimesis - perspectiva – retórica
UM DUPLO JOGO DE PODER – quando a arte é artifício
A chave de leitura de Basílio da Gama, ao gosto do contratante
A arte sempre foi a
manifestação mimética do artista (COMPAGNON, 1.999), que por sua vez, artistas
referenciados, com instrução e consciência do poder formador e modificador do
discurso (CULLER, 1.999), são os principais alvos para a composição de grupos
de mobilização das críticas sociais favoráveis aos jogos políticos. O mesmo
ocorreu com Basílio da Gama, conforme explica Teixeira (2008), o autor foi
convidado para compor o grupo de desmobilização do poder que os monges
conquistaram e mantiveram, os quais vai chamar de mecenato pombalino. Marcado
por todas exigências do período neoclássico, o poema “O Uraguay” participa da
abertura secular setecentista, ainda que Gama não lhe atribua a classificação
do épico, a crítica, anos mais tarde o fará.
Em um discurso retórico,
Gama persuade o público leitor a interpretar as ações dos monges em detrimentos
das fortes tensões iluministas do século, regentes da coroa portuguesa, como
reprováveis, insubordinadas e excessivas, além de os retratar como desumanos, gananciosos
e impiedosos no trato com os povos indígenas sob seu domínio. Para enfatizar o
discurso (TEIXEIRA, 2008), além da retórica, está presente a sátira menipeia,
recursos de verossimilhança ao utilizar notas indicativas de suposta fonte da
veracidade de seus argumentos, alegoria, fábula romântica e ainda vai respeitar
e cumprir com todas as exigências da estrutura do poema setecentista
neoclássico, redobrando a afronta dos emissários da coroa ao Barroco.
Teixeira (2.008) também
vai nos elucidar que o período neoclássico foi marcado por inúmeras críticas ao
Barroco, evidentemente retratado com recursos artísticos que contribuíram para
uma parcial retomada de poder da fé católica, um tanto quanto ousados. Já o
Neoclassicismo vai privilegiar a técnica por excelência, momento este em que a
crítica das produções artísticas estava muito mais exigente, a considerar que o
iluminismo vai exaltar a ciência e homem, não se interessando mais afirmações
tortuosos sem respaldo técnico.
Em um poema contendo um
soneto de entrada, cinco cantos e dois sonetos de encerramento, sendo estes
decassílabos, contendo alegoria e fábula romântica, notas de esclarecimento,
que vão compor um recurso retórico e político favorável a expulsão dos padres
jesuítas que atuavam em nome da Companhia de Jesus e respondiam não a coroa
portuguesa, mas sim ao Papa, “O Uraguay” foi um registro de como agiram os poetas
patrocinados pelo mecenato de Marquês de Pombal, o Conde de Oieras, a quem este
foi endereçado. Basílio da Gama fez um recorte para saldar e reverenciar as
investidas de Pombal e fortalecer seu poder, enquanto emissário de Portugal no
Brasil.
A exemplo disso, vai
afirmar, no poema e nas notas, induzindo a credibilidade de quem lê, que os
jesuítas eram insubordinados às ordens do rei, obstruindo factualmente as
decisões do Tratado de Madri firmado para expansão do território brasileiro,
entre a Espanha e Portugal, também que eram cruéis e perversos com os
indígenas, retratados como inocentes e praticantes de magia e insubordinados às
ordens do rei. Na fábula romântica inserida, abordará a representação do anseio
dos jesuítas de cometimento do regicídio contra os povos indígenas, restando
demonstrado que não respeitam a hierarquia dos territórios a que se inserem.
“Quem conta um conto aumenta um ponto”, a mimética “A Missão”
de recontar
Se o autor, Basílio da
Gama, leu e estudou muito do que precedeu seu tempo para compor o poema aos
moldes em que foi contratado, Bolt e Joffé também o fizeram, “sim Basílio, eles
leram o seu poema” e leram os livros de história, para recontar e recriar o
discurso, que deu origem a outra chave de leitura, o filme “A Missão”. Ambos
ousaram em detalhes para conduzir todos os recursos da obra para que se
tornasse inovadora a seu tempo e objetivando o sucesso e receptividade ao seu
contexto.
Não obstante, no filme,
percebemos a exploração do nativismo, enquadramento ao mesmo momento histórico
do poema, até mesmo figuras como Marquês de Pombal serão retratada em ambas as
obras, contudo a retórica do filme, vai investir na defesa dos jesuítas, até
mesmo ao representar a escravidão indígena de forma romantizada, pacífica e
respeitosa, ocultando a alienação que o fizeram. Já quanto aos emissários da
coroa, estes serão os perversos, desumanos e intransigentes. O Brasil, será
visto, imageticamente, como um território primitivo em relação aos luxos e
requintes português do rei, que em visita ao solo brasileiro, admirará a
“prosperidade da comunidade católica” em benefício dos jesuítas e indígenas. A
visão dos jesuítas como sacrossantos, será percebida já na primeira cena,
quando um monge comete suicídio ao se permitir ser crucificado e jogado
correnteza abaixo, remetendo a figura de Cristo, seu líder; além de
resgatadores dos excluídos e humilhados pelo modelo de civilização portuguesa
para aderir a comunidade e se tornar um jesuíta, além de os apresentar como
sendo aqueles pacificadores que resolvem os conflitos por meio do diálogo, até
mesmo seu poder de persuasão, adoradores e instrutores da arte e adesão
voluntária dos indígenas ao combate.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E
assim, brevemente, este artigo conduziu uma análise dos recursos da retórica
nas obras de Basílio da Gama e Robert Bolt e Roland Joffé,
capazes de transformá-las de arte para artifício, tantos quantos as técnicas
conhecidas e disponíveis podem exploradas. A crítica de Teixeira (2.008) ao “O Uraguay”
foi crucial para que pudéssemos dar os tons de conjectura política e
intencionada de Marquês de Pombal ao contratar Basílio da Gama, que apesar
supostamente concordar com o que escreveu, evidenciou que é um profissional
muito bem instruído para realizar o que se pede, inclusive ocultando qualquer
apreço de outros tempos aos jesuítas. Já a produção de Robert Bolt e Roland
Joffé, inserida em momento de ascensão da dialógica do universalismo cristão do
século XX, evidencia em suas personagens, que as ordens da coroa portuguesa,
orientadas e executadas por seus emissários eram desumanas e perversas,
enfatizando o poder da arte em recontar e expandir as interpretações sobre
acontecimentos históricos e outras obras que precederam seus tempos.
Deslocadas, separadamente ou juntas, ambas podem ser recebidas como arte e
artifício.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMPAGNON,
Antonie. O demônio da teoria: literatura e o senso comum. Tradução de Cleonice
Paes Barreto Mourão - Belo Horizonte: Ed UFMG, 1999.
CULLER,
Jonathan. Teoria literária: uma introdução/Jonathan Culler. Tradução Sandra
Vasconcelos. São Paulo: Beca Produções Culturais LTDA. 1999.
GAMA,
José Basílio da. O Uraguay. 1.ed. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1769.
Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/uraguai.pdf.
Acessado em: 30 jun 2023.
TEIXEIRA,
Ivan. O Uraguai: Diatribe contra o Regicídio e contra a Monarcomaquia. In: ______
(Org.). Multiclássicos Épicos. São Paulo: Edusp, 2008. p. 159-250


