Hey, devolve minha infância!
Fonte da imagem: https://www.contioutra.com/a-negligencia-emocional-sofrida-na-infancia-cria-adultos-pouco-assertivos/
"O que sabe fazer?
O que quiser, é só pedir e ensinar.
Pode fazer colar?
Sim.
Pode fazer pulseirinhas?
Sim, minha Senhorinha.
Fica com ela pra mim?
Sim.
Pode bordar pedrarias?
Sim.
Você precisa de ajuda?
Não!"
Essa maquiagem de ajuda não me interessa,
Está escondendo o formulário quantitativo para a pesquisa,
Escondendo a culpa da caridade,
Escondendo o olhar transmissor do pensamento sabotador,
Vai trazer um prato e ir embora,
Nem imagina onde a gente mora,
Ou a que horas a gente dorme,
Se amanhã a gente também come,
Nossos pais se esforçam pra nos alimentar,
Mas não é só de comida que a gente vive,
Precisa de casa, água, luz, gás, onde dormir, o que vestir e tem que estudar!
Sem falar na enxaqueca, precisamos de remédio pra dores de cabeça,
Tem que controlar o vício,
Aquele que ajuda a não sentir dor na alma.
Já vivemos sem geladeira,
Com goteira,
Era água que não acabava mais!
Sem gás,
Na fogueira, a lenha,
"Nossa que delícia!"
É porque não é você que vai lavar as panelas,
E a noitinha esperar a água ferver, lá no meio do quintal do barro pisado,
Cheio de mato em volta,
Com escorpião, aranhas, cobrinhas, rã e baratas,
Todos os dias,
Porque são 6 bocas,
Tudo ali juntinhas.
A menina lava a roupa na mão,
Passa sabão e coloca pra quarar,
Deve ter uns 8 ou 9,
Ela tem 10.
Enquanto uma limpa a casa a outra faz comida,
E tem briga,
As pequenas são suporte,
Que sorte,
Ficam em casa esperando a mãe chegar,
O ponto é na frente de casa,
Que sorte,
Não tem creme de cabelo,
Mas o cabelo ... elas sabem prender,
Que sorte,
Elas queriam ser esportistas e artistas,
Mas precisam trabalhar,
Já que para aquele lado política pública não chega,
Mas o sinal do SBT chega,
Que sorte,
Talvez, além trabalhadoras braçais,
Queiram ser dançarinas do Sabadão Sertanejo,
Ou atriz de novela mexicana,
Que sorte,
E quando a roupa não seca depois de um dia no varal,
A menina põe no forno e no ferro seca,
Que sorte,
Olha só arrumaram trabalho de panfleteiras aos findis,
Que sorte,
Uma tem 12 e a outra 14,
Tão cedo,
Que sorte,
Agora iogurte "perto de vencer"e pão todos os dias podem comprar,
Que sorte,
Teve um tempo que tinham babás,
Mas logo não dava mais pra pagar,
E aí começaram a casa administrar,
Que sorte,
Coisa de principiante.
"Esquecemos de perguntar o que sentem com tudo isso,
Ah certamente vão agradecer por terem aproveitado a vida,
Se eu não estiver errado.
Éh exploraram mesmo os caminhos!
Que meninas de sorte!"



