Crônica: Eu queria...
É difícil falar disso, mas não sei o que está me
impulsionando, talvez seja aquele raio de sol que adentrou pela persiana, quase
toda fechada. Ou o fato de eu ter acordado três vezes antes do relógio
despertar, às 06h. Ou até mesmo, aquele pedaço de pizza cheio de queijo de
ontem a noite que ainda não digeri. Sei lá, queria alguém para testemunhar,
compartilhar comigo esses pensamentos. A gente pensa que vai ficar inerte ou
sem manifestar qualquer emoção, mas sério, não dá. Quer dizer, até dá, até a
página seguinte. Pois quando percebemos que o nosso “Eu” também é ditado pela
perspectiva de outros sobre nós, vemos nitidamente que somos produto de um
mecanismo social que se conecta e manda estímulos mais rápido do que qualquer cyber mensagem.
Olhando no espelho vou escrever em confissão “eu queria ser
uma princesa, porque era sobre elas os filmes e as bonecas que tínhamos, mas
elas não se pareciam comigo, nem com minha mãe. Eu queria ser dançarina ou
cantora, pois eram os rostos, corpos e a opinião delas que eram expostos na
televisão. Eu queria ser Spice Girl, mas eu não parecia nenhuma delas, não era
tão branca, tão loira, tão crespa ou tão lisa. Eu queria ter os cabelos longos
que estavam nos comerciais de tintura, mas minha dieta era tão pobre e eu pegava tanto
piolho que economicamente isso não era possível. Eu queria ser a referência de
beleza que eu nunca tive, mas ninguém quer ter dentes separados, cabelos pouco
enrolados e esclerodermia no braço direito. Então resolvi estudar e ser aquela que estimula a beleza da alma e do saber, que se conecta com meu contexto não pela
estética mas pelo abraçar, estendendo as mãos dos profissionais de diversas
áreas, chegando onde não querem chegar, no subúrbio ou no submundo, e parar de
querer ir onde nunca cheguei, não caberá tanta referência se todos quiserem
entrar, sentar e nunca mais sair, seja porque esses espaços são bons e mais
confortáveis, porque nos modificamos demais para sermos merecidos, ou mesmo
porque negamos a nossa raiz e origem. Dói e doeu, mas escolhi ficar aqui, com os
meus.”
Gratidão por me ouvir ou me ler.
19 de Junho de 2023.
Essa crônica foi fruto da Oficina de Crônicas do Congresso Acadêmico da UNIFESP DE 2023



